A responsabilidade civil do empregador no acidente de trabalho sofrido pelo empregado

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objeto o tema “A responsabilidade civil do empregador no acidente de trabalho sofrido pelo empregado” e, como objetivos: geral, analisar os ensinamentos doutrinários e orientação jurisprudencial acerca da possibilidade de se responsabilizar o empregador em casos de acidente de trabalho sofrido pelo empregado; específico, compreender e verificar os procedimentos tomados pelo empregador em tais casos. A eleição do tema está vinculada à importância do assunto no mundo jurídico e no meio social, bem como ao interesse na área trabalhista e aspectos processuais.

O trabalho foi dividido em três itens. O primeiro trata da evolução histórica da responsabilidade civil e os fundamentos para sua aplicação, bem como a teoria da responsabilidade objetiva. No segundo, abordam-se os aspectos incisivos da responsabilidade objetiva do empregador, especialmente nos casos de acidente de trabalho de forma ampla, desde sua ocorrência até a configuração, até as doenças ocupacionais. O terceiro e último item, buscou-se investigar a doutrina que trata da responsabilidade subjetiva do empregador.

Nas considerações finais apresentam-se comentários acerca de cada capítulo e se discute os casos concretos que surgem no dia-a-dia do profissional do direito.

A evolução histórica da responsabilidade civil

Na evolução histórica da responsabilidade civil, cujas bases remontam ao Direito romano, foram construídas as teorias da culpa e do risco, aquela sedimentada nos sécs. XVII e XVIII, e esta a partir do séc. XIX.

Na Antiguidade a idéia de justiça era entendida como uma simples vingança pessoal, no denominado “período do talião”, antes do advento da civilização grega, em sua forma mais evoluída. No direito grego, fez-se necessária relação entre política e direito, bem como entre ética e direito, com a concepção de justiça e de direito natural.

Em Roma, a Lei Aquília, com data indeterminada, atribui a origem do instituto “culpa” para reparação do dano para a teoria subjetiva. Entretanto, essa culpa era fator acidental e não fundamental. Mais tarde, no século XVIII e XIX, é que se desenvolveu a teoria da culpa, passando a se falar em responsabilidade apenas quando demonstrada a culpa do agente.

A teoria da responsabilidade objetiva na infortunística somente surgiu na América do Sul, primeiro no Peru em 1911, seguido pelo Uruguai em 1914, Argentina em 1915, Chile e Colômbia em 1916 e, por fim, no Brasil em 1919, através do Decreto-lei nº 3724/1919.

O fundamento da responsabilidade civil e a teoria da responsabilidade objetiva Responsabilidade é o dever de responder por atos que impliquem dano a terceiro ou violação da norma jurídica (DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico, São Paulo: Saraiva, 1998, Volume 4. p. 170.)

Os quatro pressupostos fundamentais da responsabilidade civil são: ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, relação de causalidade, e o dano experimentado pela vítima.

O Código Civil em seu artigo 927 admitiu a teoria objetiva para a reparação do dano nos casos disciplinados em lei ou nos casos em que a atividade desenvolvida normalmente pelo autor do dano implicar, por sua própria natureza, risco ao direito de outras pessoas. É o chamado risco da atividade.

A doutrina tem tentado que a responsabilidade pelos danos decorrentes de acidente do trabalho seja sempre objetiva, por ser uma responsabilidade trabalhista e contratual, com fulcro no artigo 2º da CLT. Isso porque segundo José Antonio Ribeiro de Oliveira Silva não é razoável que a responsabilidade do empregador seja objetiva apenas nos casos de doença ocupacional, acidentes derivados da atividade de risco do empregador ou acidente ocorrido no serviço público. Tal responsabilidade trabalhista e contratual tem fundamento no sentido de que é o empregador quem aufere todos os lucros da sua atividade empresarial.

Assim, é ele quem deve suportar todos os prejuízos dela resultantes e não a sociedade. Isto é, se é o empregador quem assume os riscos da atividade econômica, deve não somente zelar pela integridade física e psíquica do empregado, mas também indenizá-lo pelos prejuízos, sejam eles materiais e morais, desde que advenham de doença ocupacional resultante da prestação de labor imprescindível à consecução daquela atividade ou de acidente típico ocorrido durante a prestação de serviços.

A finalidade, portanto, da teoria do risco é de oferecer máxima proteção ao trabalhador em todas as dimensões protetivas.

A ocorrência da responsabilidade civil do empregador

Segundo a doutrina moderna o acidente de trabalho, como gênero, engloba o acidente típico e as doenças ocupacionais.

A responsabilidade civil objetiva foi preconizada pelos Enunciados nº 37, 38 e 40 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual da Justiça do Trabalho realizada em novembro de 2007, que indicam, respectivamente, a responsabilidade em três hipóteses: 1. no acidente de trabalho ocorrido nas atividades de risco (art. 927, § único do CC); 2. nas doenças ocupacionais decorrentes de danos ao meio ambiente do trabalho (art. 225, §3º da CF); 3. no acidente do trabalho envolvendo empregados de pessoas jurídicas de Direito Público interno (art. 37, §6º, da CF).

O acidente de trabalho e as doenças ocupacionais

Como dito, a responsabilidade civil objetiva pode se dar naquelas três hipóteses, das quais se subdividem em acidente de trabalho (sentido estrito) e doenças ocupacionais.

O acidente de trabalho é aquele que diz respeito a fato imprevisível, súbito. Já as doenças ocupacionais – compreendidas aquelas doenças profissionais e do trabalho – tratam de eventos que vão minando a saúde do trabalhador com o passar no tempo, cujos sintomas, muitas vezes, somente são percebidos tempo depois de sua aquisição.

Cumpre ressaltar que o acidente de trabalho não é fato que ocorre apenas na relação de emprego, mas também na relação de trabalho. A referência é extrema importância diante da nova competência da Justiça do Trabalho atribuída pela Emenda Constitucional nº 45/2004 que faz menção expressa às controvérsias decorrentes de “relação de trabalho”. Destarte, eventuais indenizações por danos decorrentes de acidente de trabalho nas relações laborais de parceria, meação, arrendamento e outras análogas, numa interpretação sistemática dos incisos I e VI do art. 114 da CF, deverão ser pleiteadas na Justiça do Trabalho.

Quanto às características do acidente de trabalho temos as seguintes: 1. evento danoso; 2. decorrente do exercício do trabalho a serviço da empresa; 3. que provoca lesão corporal ou perturbação funcional; 4. que causa morte, perda ou redução da capacidade para o trabalho.

Para a configuração do acidente é exigida a “causalidade e lesividade”. A lesividade consiste em ser o acidente de trabalho fato que provoque lesão corporal ou perturbação funcional e tenho como conseqüência a morte, perda ou redução da capacidade laborativa, seja ela permanente ou temporária. Já o nexo causal é exigido de forma tríplice, segundo Nascimento, pois há que ser observado: a) a causa-trabalho com o acidente físico; b) deste acidente com a lesão ou perturbação funcional resultantes; c) e destas com a redução ou incapacidade laborativa ou ainda a morte. Verificando, então, a causalidade.

No que diz respeito às doenças ocupacionais, estas compreendem tanto as doenças profissionais quanto as doenças do trabalho, consoante determina os incisos I e II do art. 20 da Lei de Benefícios. As doenças profissionais são as produzidas pelo exercício profissional peculiar a determinada atividade, ou seja, são doenças que decorrem necessariamente do exercício de uma profissão. Por tal razão prescindem de comprovação de nexo de causalidade em razão de sua relação de tipicidade, nos termos do Decreto nº 3048/99. Alguns exemplos dessas doenças ensina Oliveira Silva é a silicose – trabalhadores da mineração estão sujeitos à exposição do pó de sílica, que vai se alojando em seus pulmões, de forma paulatina e progressiva, desencadeando a pneumoconiose -, o saturnismo (doença causada pelo chumbo) e o hidragismo (doença causada pela exposição ao mercúrio).

Em relação às doenças do trabalho, são aquelas desencadeadas em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacionam diretamente. Diante disso, exigem a comprovação do nexo de causalidade entre elas e o trabalho. Em regra, a comprovação se dá por vistoria no ambiente em que atua ou atuava o trabalhador.

Um exemplo são os trabalhos prestados em condições insalubres; há os trabalhadores de empresas de telemarketing e professores que têm doenças relacionadas à voz; doenças nos tendões sofridas por pianistas e digitadores; e doenças na área lombar sofridas por cortadores de cana-de-açúcar.

Coexistência da indenização de direito comum com a acidentária

Muito se falou e cogitou que com a criação do seguro social teria desaparecido a responsabilidade do empregador pelos danos decorrentes de acidente de trabalho. A razão desse entendimento era que a contratação de seguro obrigatório por parte do empregador seria suficiente para outorgar ao trabalhador e à sua família a garantia necessária contra os riscos inerentes ao trabalho, inclusive ao acidente laboral. Entretanto, a cumulação das indenizações é possível desde a década de 40 com o Decreto-lei nº 7036/44 que determinava em seu artigo 31: “O pagamento da indenização estabelecida pela presente lei exonera o empregador de qualquer outra indenização de direito comum, relativa ao mesmo acidente, a menos que este resulte de dolo seu ou de seus prepostos”.

O próprio STF sumulou o entendimento de que “a indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador – nº 229”.

Portanto, há muito tempo que o acidente de trabalho pode gerar direito a dupla indenização. Uma da Previdência no que diz respeito aos benefícios previdenciários estipulados em lei; e outra do empregador, relativa aos danos decorrentes do acidente, quando demonstrado dolo ou culpa grave.

De outra forma, a indenização previdenciária é alimentar, ao passo que a cobrada do empregador tem natureza reparatória, razão pela qual não se pode admitir compensação.

A evolução da jurisprudência deu-se no sentido de admitir a mera culpa para a responsabilização do empregador. Com o advento da Lei nº 6367/1976 ficou superada a Súmula nº 229 do STF, não mais se exigindo a prova da culpa grave ou do dolo do empregador, sendo suficiente a prova da culpa, ainda que leve, conforme ensina Cavalieri.

Com esta evolução houve a inserção na Constituição Federal de 1988, mais precisamente no art. 7º, XXVIII que dispõe que os trabalhadores urbanos e rurais têm direito ao “seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”.

A responsabilidade subjetiva do empregador

Para a teoria da responsabilidade subjetiva, o empregador somente responde em caso de culpa, mesmo onde há atividade de risco, pois o art. 7º, XXVIII exige o dolo ou culpa do empregador.

Como se trata de uma regra Constitucional, a legislação ordinária (CC, art. 927, parágrafo único) não pode com ela confrontar. Nesse sentido é a visão de Rui Stocco, “se a Constituição estabeleceu como princípio a indenização devida pelo empregador ao empregado, com base no direito comum, apenas quando aquele obrar com dolo ou culpa, não se pode prescindir desse elemento subjetivo com fundamento no art. 927, parágrafo único do Código Civil” e continua "Há intérpretes que visualizaram, a partir da vigência do Código Civil de 2002, a possibilidade de os acidentes do trabalho serem enquadrados como intercorrências que ensejam responsabilidade objetiva ou independente de culpa do empregador, com supedâneo no referido art. 927, parágrafo único, quando o empregador exerça atividade perigosa ou que exponha a riscos, como, por exemplo, Henrique Gomes Batista (Código Civil altera indenizações. Valor Econômico – Caderno de Legislação, 19.02.2002). Não vemos essa possibilidade, pois a responsabilidade civil, nas hipóteses de acidente do trabalho com suporte na culpa (lato sensu) do patrão está expressamente prevista na Constituição Federal".

Tendo em vista a corrente que defende a teoria objetiva do empregador, como regra geral, tratada nos itens acima, Schiavi entende que nem sempre a responsabilidade do empregador é objetiva, pois esse entendimento pode gerar injustiças, como em casos de culpa ou dolo exclusivos da vítima, de pequenos empregadores que não têm meios de suportar a carga de uma responsabilidade tão contundente, ou ainda, em atividades que não são realizadas em condições de risco, como atividades em escritórios, de porteiros, zeladores, etc.

Schiavi ainda defende a teoria subjetiva com culpa presumida do empregador, que aponta que o empregador corre os riscos da atividade econômica e se beneficia dos resultados da atividade do empregado, razão pela qual em juízo a prova da culpa do empregador carreada ao empregado é extremamente onerosa, tendo o empregador maior aptidão para a prova. Portanto, não se poderia admitir que o empregador deixe de fazer investimentos destinados a evitar os riscos de acidentes e garantir a incolumidade física de seus empregados. Tal posicionamento não presume que o empregador fará prova contra si mesmo, apenas que terá que comprovar em juízo a observância das normas de segurança do trabalho e o equilíbrio do ambiente de trabalho no momento do sinistro. Fazendo tal prova o ônus de demonstrar a culpa transfere-se ao empregado.

CONCLUSÃO

O acidente de trabalho é a mais grave violação do direito à saúde do trabalhador e, portanto, deve o sistema jurídico proporcionar resposta adequada a tal fato.

Analisando todas as correntes apresentadas, nos parece mais atual e justa a aplicação da responsabilidade do empregador pelos danos causados ao empregado em razão de acidente de trabalho com fulcro na teoria subjetiva com culpa presumida, como regra real; e em atividades de risco, a aplicação da responsabilidade objetiva.

Lívia Castelo de Souza, OAB/SC 26837 – Pós-graduanda em Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho e Previdenciário pelo INFOC/SP.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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