Opinião de Roberto Damatta

Roberto Damatta - O Estado de S.Paulo


De quando em vez ouvimos vozes que não pensam a vida como uma linha reta a evolver em direção ao Céu dos santos ou para o Norte do progresso que vai resolver todas as injustiças sociais, curar todas as doenças e nos livrar dos incômodos do acaso (com suas contramarchas e arrependimentos) e da finitude (com sua falta de tempo para pedir perdão ou dizer adeus). Num artigo publicado no Globo dia 29 de julho último, a jornalista Gail Scriven descobre que este é "O ano que ficamos vulneráveis". E arrola, com aquela memória que eu tanto invejo nos jornalistas profissionais, os fatos que testemunham a vulnerabilidade que a tecnologia, a brutal exploração da natureza e dos outros escondem cada vez menos de todos nós. Pois, confiantes na superioridade do canhão e do arcabuz, matamos índios e transformamos seus arcos e flechas em peças de museu; certos de que o automóvel era melhor do que a carroça, inventamos esses monstros de 300 cavalos - os tais automóveis - que hoje promovem centenas de milhares de mortes no Brasil. Não satisfeitos, idealizamos a indústria baseada na exploração de um planeta lido como infinito em recursos "naturais". Agora, mordendo o nosso próprio rabo, colhemos o fruto de um individualismo sem peias. Uma autoindulgência que revela as vulnerabilidades, porque deixa ver os erros e as injustiças entre os povos e, muito pior quer isso, a contradição entre princípios éticos. Pois, como conciliar a globalização que produz trocas e interdependência com velhos nacionalismos e fronteiras baseadas na ideia de povo eleito, superioridade racial e supremacia moral?

 

Como aceitar passivamente esses índices instituídos pelo triunfo da economia como uma "ciência" e das finanças como realidade dominante? No dia em que Obama se rebelou contra a agência americana que rebaixou os Estados Unidos, relativizando um princípio que sua cultur