PAPEL DO ADVOGADO NO SUAS: Apontamentos para a Academia

Hélio Abreu Filho

Membros da comissão da assistência social (....)

O advogado com atuação no SUAS[1] deve ser concursado e com provas que avalie conhecimentos específicos da área.

Neste sentido, cumpre alertar que as faculdades de Direito raramente lecionam este conteúdo, pois normalmente focam temas processuais e patrimoniais, o que é bem diferente do cotidiano do advogado no SUAS.

Este advogado deve ter perfil conciliador e extrajudicial, e, nada impede que também ajuíze ações, apesar de não ser a sua prioridade de trabalho.

advogado com atuação no SUAS tem o compromisso institucional de prestar assistência jurídica aos usuários do CRAS[2] e CREAS[3], os quais se encontram bem aquém dos mínimos sociais (extrema pobreza), e via de regra não alcançam o nível de ‘pobreza’[4] daqueles atendidos pela Defensoria Pública[5] ou pelos advogados dativos[6]. Faz-se pois, imprescindível, que este advogado, do SUAS, preste assistência jurídica aos seus assistidos, não tão só em no âmbito extrajudicial, mas também ajuizando ações de forma excepcional, como forma de inclusão social.

Neste sentido, não cabe estabelecer reserva de mercado para a defensoria ou advocacia dativa, criando-se barreiras para manter uma espécie de “monopólio de pobre”, isolando-o do atendimento multiprofissional existente no CREAS.

O CRAS e o CREAS, com apoio deste profissional, passam a realizar mediação familiar e comunitária com apoio do serviço jurídico; a apoiar o Conselho Tutelar; a orientar sobre previdência e trabalhista; a orientar e restabelecer direitos ameaçados e violados de crianças e idosos; bem como direitos do consumidor e outros.

Por meio de atuação interdisciplinar os profissionais de nível superior, com o suporte jurídico do advogado, podem atender a crianças, adolescentes e adultos, de forma individual e/ou em grupo, com atenção no direito difuso ou individual, proporcionando o exercício dos direitos de cidadania dos usuários (empoderando) e realizando com estas atitudes a sua inclusão social – exterminando com a responsabilização do indivíduo pela sua condição socioeconômica.

Assim é que o trabalho do advogado, em parceria com assistentes sociais e psicólogo/as, proporcionam a interação da assistência social com demais políticas públicas (saúde, previdência, educação, trabalho, lazer, meio ambiente, segurança, habitação), para acesso dos(as) cidadãos(ãs) aos seus direitos sociais[7], incluso civis e políticos.

E neste trabalho interdisciplinar, a ser construído pela equipe multiprofissional, de forma permanente, é exigida a participação em reuniões e debates conjuntos de planejamento a fim de estabelecer as particularidades da intervenção profissional, bem como definir as competências e habilidades profissionais em função das demandas sociais e das especificidades do trabalho. A interdisciplinaridade, que surge no processo coletivo de trabalho, demanda uma atitude ante a formação e conhecimento, que se evidencia no reconhecimento das competências, atribuições, habilidades, possibilidades e limites das disciplinas, dos sujeitos, do reconhecimento da necessidade de diálogo profissional e cooperação.

Embora o Direito, o Serviço Social e Psicologia possuam acúmulos teórico-políticos diferentes, o diálogo e a alteridade entre essas categorias profissionais aliará reflexão crítica, participação política, compreensão dos aspectos objetivos e subjetivos inerentes ao convívio e à formação do indivíduo, da coletividade e das circunstâncias que envolvem as diversas situações que se apresentam ao trabalho profissional.

E será isto que permitirá a atuação conjunta dos profissionais de nível superior do CREAS, na perspectiva da organização dos usuários, com vistas a viabilizar sua participação nas associações de bairros, nos fóruns sociais, nos conselhos sociais, permitindo-lhes intervir no cotidiano social, aprimorando os mecanismos de controle, de deliberação, divulgação e socialização dos debates de interesse comunitário e social.

E para que o advogado compreenda seu papel neste contexto da assistência social do SUAS, importante estabelecer, minimamente, um conjunto de ATRIBUIÇÕES voltadas ao desenvolvimento de ações de prevenção, promoção, proteção e de restabelecimento do direito ameaçado ou violado, as quais compreendem (dentre outras):

  1. realizar atendimento ao público;
  2. receber as denúncias;
  3. proporcionar orientação jurídico-social para a equipe do CREAS quanto à legislação referente aos direitos de crianças, adolescente, mulheres, idosos, pessoas com deficiência e adultos;
  4. esclarecer os procedimentos legais aos profissionais do CREAS;
  5. realizar levantamentos de casos das situações de violência;
  6. prestar atendimento e consultoria jurídica;
  7. receber denúncias;
  8. fazer encaminhamentos processuais e administrativos, acompanhando todo os procedimentos judiciais e extrajudiciais, mantendo informada a equipe multiprofissional;
  9. proferir palestras sobre direitos das crianças, adolescentes, idosos, mulheres, e público LGBT;
  10. esclarecer procedimentos legais aos profissionais dos Centros;
  11. elaborar levantamento dos casos de violência;
  12. acompanhamento dos usuários em Delegacias e Fóruns;
  13. realizar outras atividades jurídicas inerentes ao operador do direito;
  14. propor mandado de injunção, ações coletivas e individuais;
  15. ser acessível mantendo os princípios éticos no uso das informações a ele confiadas, na interação com outros profissionais e com o público em geral;
  16. propor atos, normas, instruções para melhor desenvolver as ações de proteção social, bem como, atos administrativos e anteprojetos de lei para preencher lacunas para proporcionar ou facilitar o acesso aos direitos sociais.

 

E para perfeito desenvolvimento de suas funções deve o advogado aprimorar permanentemente seus estudos, embasados nas principais legislações que são instrumento de trabalho dos profissionais do SUAS, dos quais destacam-se:

• Constituição Federal – CF, 1988;

• Lei Orgânica da Saúde – LOS/1991;

• Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS/1992;

• Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS / 1993;

• Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA/1990;

• Estatuto do Idoso – Lei 10741/2004;

• Política Nacional de Assistência Social – PNAS/2004;

• Política Nacional do Idoso – PNI/1995;

• Política Nacional de Integração da Pessoa com Deficiência – PNIPD/1999;

• Norma Operacional Básica de Assistência Social– NOBSUAS/2005;

• Novo Código Civil;

• Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS – NOB-RH/SUAS/2007;

• Decretos e Portarias do Ministério de Desenvolvimento Social;

• Programa Brasil sem Homofobia.

 

Além destes textos legais, fundamental será a compreensão das seguintes áreas de atuação[8] da orientação jurídico-social:

Direito da mulher e de vítimas de violência doméstica/intrafamiliar– direcionado à solução das questões relativas à repressão dos atos de violência praticados contra a mulher (Lei 11.340/Lei Maria da Penha);

Direito da criança e do adolescente – garantir os direitos em casos de violência sexual, agressões, danos, violações e em situações de ato infracional (Constituição Federal de 1988; Lei 8.069/90-ECA; Decreto Lei 5.452/1943 - Dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho; Portaria 20/2001-Secretaria de Inspeção do Trabalho;

Decreto 6.481/2008, de 12 junho de 2008 - Trata das piores formas de trabalho infantil; Resolução nº113, de 19 de abril de 2006 do CONANDA e Normativas Internacionais);

Direito da Família – em casos de tutela, guarda de crianças e adolescentes, reconhecimento de paternidade e maternidade, separação, divórcio, regulação de alimentos e visitas, interdição. Este procedimento será disponibilizado somente para o público alvo do Creas. (Código Civil) e de forma incidental;

Direito da Pessoa Idosa – defesa dos direitos da pessoa idosa, principalmente nos casos de violência familiar ou doméstica (Lei nº10.741/2003 – Estatuto do Idoso; Constituição Federal de 1988 – BPC/Benefício de Prestação Continuada);

Direito da Pessoa com Deficiência – defesa e proteção de crianças, adolescentes e adultos com deficiência (Estatuto da Criança e do Adolescente; Constituição Federal de 1988; Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência; A Proteção das Pessoas com Deficiência no Código Civil; Leis e Decretos referente ao tema);

Proteção aos Direitos Humanos – voltado a população em situação de rua (Constituição Federal de 1988).

 


[1] SUAS: Sistema Único da Assistência Social.

[2] CRAS: Centro de Referência da Assistência Social

[3] CREAS: Centro de Referência Especializado da Assistência Social

[4] Há que se considerar que os critérios socioeconômicos, embora restritos, vêm sendo utilizados para identificar/classificar os usuários em situação de pobreza, ou extrema pobreza.

[5] Defensoria Pública incumbe, em regra, prestar assistência jurídica integral e gratuita às pessoas que não podem pagar pelos serviços de um advogado, sendo a defesa dos financeiramente hipossuficientes sua função típica. O Defensor é um agente político de transformação social. Não integra a advocacia, pública ou privada, e tem independência funcional no exercício de sua função.

[6] O termo ‘dativo’ é utilizado para designar defensor nomeado pelo juiz para fazer a defesa de um réu em processo civil ou criminal, quando a pessoa não tem condições econômicas de contratar ou constituir um defensor. É utilizado em comarca onde não há defensores públicos ou não há em número suficiente para a demanda.

 

[7] Em didática definição, André Ramos Tavares conceitua direitos sociais como direitos “que exigem do Poder Público uma atuação positiva, uma forma atuante de Estado na implementação da igualdade social dos hipossuficientes. São, por esse exato motivo, conhecidos também como direitos a prestação, ou direitos prestacionais”. - In: TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 10ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 837. José Afonso da Silva, em Curso de Direito Constitucional positivo, propõe a divisão dos direitos sociais em: i) relativos aos trabalhadores; ii) relativos ao homem consumidor. Na primeira classificação, isto é, direitos sociais do homem trabalhador, teríamos os direitos relativos ao salário, às condições de trabalho, à liberdade de instituição sindical, o direito de greve, entre outros (CF, artigos 7º a 11). Na segunda classificação, ou seja, direitos sociais do homem consumidor, teríamos o direito à saúde, à educação, à segurança social, ao desenvolvimento intelectual, o igual acesso das crianças e adultos à instrução, à cultura e garantia ao desenvolvimento da família, que estariam no título da ordem social.

[8] PROTOCOLO DE GESTÃO DO CREAS: Referenciais Teóricos e Operacionais. In: www.fas.curitiba.pr.gov.br/baixarMultimidia.aspx?idf=7676